Para Hitchcock, esse foi o pior
filme de sua autoria. Ele diz que alguém sugeriu um filme cujo título fosse Champagne e ele imaginou um início de filme
bastante fora de moda, mas que lembrava um pouco o velho filme americano de
Griffith – Way down East: a história de uma moça que vai para uma cidade grande. Sua
idéia era mostrar essa garota que trabalhava na cidade francesa de Reims, a
capital do champagne, fechando com pregos as caixas de espumante e vendo as caixas serem
transportadas em trens sem ela nunca ter bebido. Em seguida, ela iria para a
cidade e acompanharia o trajeto do espumante, as boates, as noitadas, beberia e
no final voltaria para Reims, onde retomaria seu serviço e já não teria mais
vontade de beber champagne. Segundo o próprio Hitchcock, ele abandonou a idéia pelo seu
aspecto moralista.
A história filmada é a de Betty,
filha mimada e rebelde de Mark, empresário milionário do ramo de espumantes,
que, sem a autorização do pai, cruza o oceano num hidroavião para encontrar o
namorado que está abordo de um navio em pleno Atlântico rumo a Paris. Seu pai
desaprova o namoro alegando que o rapaz está interessado somente no dinheiro da
família e, conhecendo a filha que tem, pede a um amigo se aproximar de Betty
para vigia-la.
Diante da insistência de Betty em se casar com o rapaz, Mark forja a própria falência a fim de afastar o moço. O
noivado é desfeito mas não por isso, e sim por ele não aceitar o comportamento tão
independente e esnobe dela, o que faz com que a moça acredite na teoria do
pai. Apesar de tudo, Betty tenta
se adaptar a nova situação: cuida do pai e do apartamento minúsculo em que vão
morar, cozinha e arruma um emprego de vendedora de flores em um cabaré de luxo.
O amigo de Mark, pai de Betty, se
finge de cliente do cabaré para
continuar a vigia-la. Sentado à mesa, observando a moça ele pede um drink, um Maiden’s prayer cocktail. É como se ele estivesse bebendo e
rezando pedindo a proteção da
donzela da qual foi incumbido de tomar conta.
Indignado com seu trabalho num lugar
“indecente”, o rapaz procura Mark que, também chocado, confessa que mentiu sobre
a perda da fortuna, sobre o amigo que a vigia e aprova seu casamento.
Champagne não foi bem recebido em seu
lançamento, apesar do elenco bastante popular. A produção era rica. Desfrutava de
um orçamento razoável para os padrões da época: contava com várias cenas dentro de um navio e dezenas os
figurinos luxuosos nos cenários dos grandes salões.
Além disso, não se pode ignorar as inventividades visuais de
Alfred Hitchcock: os primeiríssimos planos da garrafa de espumante sendo
aberta, as cenas vistas através da taça no início e no final, a sequência do
navio onde ele usa o movimento da câmera para fazer o balanço e transmitir a
idéia de enjôo e do enquadramento, somente nas pernas, na cena em que Betty é
roubada na rua.
Com relação ao alimento como elemento
dramático é um dos filmes mais ricos do período mudo da carreira de
Hitchcock. Começando pelo titulo do filme: champagne até hoje é sinônimo de sofisticação
e luxo. É uma bebida festiva, como a vida que Betty levava.
No restaurante do navio, a mesa
montada parece as de Antonin Carême, o cozinheiro dos reis da França. Com essa montagem simétrica, o movimento de câmera tirando tudo do
eixo, faz com que o espectador
tenha a sensação de balanço do navio.
Quando chegam a Paris, a cidade é
uma festa. Estamos ainda nos anos 20 e com a lei seca nos EUA surge as misturas
de bebidas: era o auge da coquetelaria. Betty, moça independente , prepara seu
próprios coquetéis.
Apesar das tentativas, a moça se
mostra inútil pois não consegue preparar nem um prato de comida “descente” pra
o pai. Na primeira tentativa ela coloca a comida à mesa serve o pai com muito
orgulho, fazendo o pai acreditar que seu plano está funcionando, mas quando ele
vê a fatia de carne, ele a recusa. Então, Betty serve os pães que também havia
feito. Aparentemente estão ótimos, brilhantes, com aspecto de bem assados. O
pai não acredita que foi ela quem os fez e aceita, mas ao tentar cortá-los não
consegue, tenta morder e também não consegue. Por fim, desiste e diz: “Não
estou com muita fome hoje.” Sai e a deixa sozinha.
Nesse momento, Hitch corta da carne preparada por Betty para uma
mesa com toalha de linho, talheres e travessas de prata, taças de cristal, champagne e alguém finalizando uma refeição. Abre o quadro e é o pai de Betty que, ao recusar comer a comida da filha, foi
satisfazer suas necessidades e desejos em um restaurante do tipo ao qual ele
estava acostumado. Esse contraponto reforça a idéia de pobreza e riqueza que
Hitchcock quer deixar bem claro ao longo da narrativa.
Em outro momento, o mais engraçado
do filme, e que foi já utilizado em um episódio da extinta TV Pirata transmitido pela Rede
Globo no final dos anos 80, é o contraponto entre cozinha e salão do restaurante do cabaré onde
Betty trabalha. Nesse estabelecimento luxuoso, o maitre recebe clientes e descreve, com muita formalidade, os pratos do cardápio para um casal.
Hitchcock faz um corte para a cozinha. Ele mostra o cozinheiro, de avental todo
sujo, partindo um frango com as mãos. Um garçom chega com uma cesta de pães
vazia para ser reposta. O cozinheiro larga o frango pega uma porção de pão com
as mesmas mãos e joga no cesto de maneira que alguns pães vão parar no chão. O
garçom pega o pão que está no chão, chacoalha, limpa o resto da sujeira na
roupa e o recoloca no cesto que será servido. Corta para esse mesmo pão sendo
servido, a um comensal à mesa, com uma pinça de prata. Pois é, do lixo ao luxo em
apenas alguns frames.
Mainden’s prayer cocktail
Ingredientes:
1 dose de gim
1 dose de contreau
2 colheres (sopa) de suco de limão
1 colher (chá) de suco de laranja
Preparo:
Coloque todos os ingredientes em uma coqueteleira com
gelo,
misture, coe e sirva em um copo de coquetel.
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